O Sr. T faz a barba às terças.
Isso não é só um pretexto para ir ao barbeiro, já que confortável ele não fica,
naquela minúscula cadeira - é que ele é mesmo desajeitado com isso.
O
engraçado é que todos (aqueles que são mais próximo) sabem quando o barbeiro não pôde atendê-lo. Ele chega com
rosto pintado, isso não quer dizer que um de seus 7 netos o riscou de canetinha
vermelha, tampouco que ele se rabiscou por pressa quando desligava o telefone,
quando numa tardinha de terça o Sr. Barbeiro lhe deu um “não”, naquela
semana.
Mas o Sr. T descobriu uma
maneira fácil de fazer sua barba... apesar da raiva que ficou
daquele barbeiro, por não atendê-lo.
Com calma e confiança foi capaz de dizer:
sim, hoje é nosso dia dona querida lâmina. E assim, começou aquela luta, ou
melhor, estava numa boa relação, para sua surpresa - com a lâmina de barbear. Ele
resolveu que seria capaz, porque lembrou de quando ficava atrás da porta vendo
seu pai fazer a barba!
– o que foi menino, nunca viu
alguém se barbear?!
O Sr. T com sua ingenuidade de
menino de oito anos e meio, poderia ter dito “claro que não vi, por isso estou
aqui olhando para aprender”.
O pai do Sr. T lhe tacando espuma
no rosto, disse bruscamente com aquele jeito grosso de ser:
- Pois vamos fazer isso, agora
mesmo!
E foi quando o Sr. T saiu
daquela pia de pedra, feliz da vida com seu minúsculo espelho e a lâmina em sua
mão!
- Agora sou um homem! Sei até
fazer a barba!
Do lado de cá, o Sr. T pensa consigo,
“porque tenho que ir ao barbeiro, se tive o melhor barbeiro em minha vida?” O
Sr. T naquele dia foi feliz com sua lâmina, ele teve calma, respirou,
recordou-se do passo a passo e começou aquela jornada de 'auto barbear-se'.
Fizera tudo como seu velho ensinara. Nenhum corte sequer... Nada que pudéssemos ousar duvidar que não foi o barbeiro que havia lhe atendido numa terça-feira,
costumeiramente no fim do expediente às 20h. Àquele que há tanto tempo fizera o
papel de seu pai e, cada vez mais apagava aquelas pulcras lembranças de
outrora.
Ele percebeu então, que com o passar do
tempo, podemos levar algumas de nossas aprendizagens ou raízes ou momentos
únicos ao lado de pessoas queridas para a zona do
esquecimento, apenas pelo simples fato de estarmos atarefados demais!
O Sr. T ia ao barbeiro às
terças, pois era o horário que dava certo. Mas então ele percebeu que,
acordando cedo na terça, ou dormindo um pouco mais tarde na segunda, ele
poderia fazer sua barba ali no seu próprio espaço, com sua própria espuma, lâmina e esplho. Ele poderia tirar aquele tempo para isso, porque
certamente ele estaria na terça, naquela barbearia, cansado de um dia
exaustivo, ouvindo gente chata, vendo uma programação enfadonha na TV do Sr. Barbeiro
e ainda, não estaria ao menos tendo um tempo para si, um tempo sozinho consigo
mesmo, ou com as lembranças suas e com a amiga lâmina.
O Sr. T me contava isso, todo
cheio de orgulho porque encontrou a melhor forma de fazer a barba - e já era
boca da noite de um céu lindo e estrelado.