segunda-feira, 28 de abril de 2025

O dia em que eu pensei em desistir



Não sei se foi a primeira vez. Não sei se será a última. Mas hoje, sim, eu pensei em desistir.


Comecei o dia como quase todos os outros: já no modo multitarefa sem nem perceber. Logo cedo, os afazeres da casa me chamaram, como quem acena de longe dizendo "não esqueça de mim". Lavei louça, organizei brinquedos, preparei o almoço. Cumpri o ritual de todos os dias com a cabeça já acelerada, porque depois... depois vinha ele: o estudo.


Sentei-me na cadeira desconfortável — improvisei uma almofada para tentar amenizar — e me cerquei de tudo que poderia ajudar: cadernos abertos, computador ligado, bloco de anotações ao alcance da mão.


A missão do dia parecia simples na teoria: concluir os exercícios de inglês que haviam ficado pendentes e iniciar o novo conteúdo de matemática: lógica.


Eram 10h da manhã quando me coloquei nessa batalha.


O relógio correu. Deu meio-dia, depois 15h, depois 17h... e eu ainda não tinha terminado. A lógica, que deveria fazer sentido, parecia brincar de esconde-esconde comigo, debochando das minhas tentativas de encontrar o fio da meada.


Foi quando a casa encheu de vozes. Risadas, pedidos, chorinhos, mil histórias para contar. Meus filhos chegaram da escola.


Agitados. Precisando de mim. Com fome de atenção, de colo, de escuta. E eu ali, ainda atolada entre blocos de anotações, fórmulas, conectivos lógicos e exercícios inacabados.


A cabeça latejava.

O cansaço dava nó na garganta.

O barulho parecia amplificado, como se o mundo inteiro tivesse apertado o botão do "volume máximo".

E a lógica? Ah, essa já tinha saído pela janela faz tempo.


Foi aí que veio o pensamento:

"Eu não vou conseguir. Não dá. Não sou capaz. Talvez isso não seja pra mim."


Pensei em desistir. De verdade.

Foi um momento de desespero. Um minuto em que a pressão, o medo e a exaustão pareciam muito maiores do que qualquer sonho.


Mas respirei. Respirei fundo, como quem volta do fundo de um mergulho forçado.

Olhei para eles, meus pequenos, minhas razões. Olhei para mim, exausta, sim, mas ainda de pé.


E então me lembrei:

Eu não estou aqui porque é fácil.

Eu estou aqui porque é importante.

Porque eu escolhi abrir caminho em uma nova área, mesmo aos 31 anos, mesmo com tudo acontecendo ao redor.

Porque estudar tecnologia da informação, sendo mãe, dona de casa, esposa e profissional, não é um capricho.

É resistência. É futuro.


Hoje eu pensei em desistir. Mas sabe o que é bonito?

É que eu não desisti.

Nem da lógica, nem dos sonhos, nem de mim.


Amanhã pode ser difícil de novo. Talvez depois de amanhã também.

Mas já aprendi que a coragem não é silenciosa, polida, nem perfeita.

Às vezes, coragem é isso: continuar mesmo com a cabeça latejando, o barulho ecoando e a dúvida gritando lá dentro.


É assim que a gente segue.

Torta, descabelada, atrasada — mas de pé.

Sempre de pé.

Porque no fim das contas, não é sobre entender toda a lógica.

É sobre entender a si mesma: saber que você é feita de força, de amor, e de recomeços silenciosos.

Que os dias difíceis não anulam a sua coragem — eles provam que ela existe.

E que, mesmo tropeçando entre tarefas, sonhos e responsabilidades, você continua:

uma mãe, uma estudante, uma mulher que segue.

Sempre em frente. Sempre de pé. Sempre acreditando.


terça-feira, 15 de abril de 2025

O Vovô da Turma (e o último dia)

Ele chegou de mansinho no primeiro dia. Olhar curioso, passo firme e uma serenidade no rosto que destoava do nervosismo dos outros alunos — boa parte ainda no ensino médio. Mas ele estava lá, com seus mais de 65 anos e uma coragem silenciosa que ninguém ousava questionar.


Rapidamente, ganhou um apelido carinhoso na minha cabeça: o vovô da turma.


Era impossível não notar sua presença. Ficava sempre com o capacete de ciclista na cabeça — sem cerimônia, como quem sabe que praticidade vale mais que estética — e fazia questão de sentar-se nas primeiras fileiras. Sempre atento, sempre participativo. Cativou a todos com sua gentileza, sua disposição e aquela vontade bonita de aprender.


Outro dia, entre uma conversa e outra, ele contou um pouco da sua rotina. Com um certo encabulamento, como quem pede desculpas por ser ele mesmo, disse que vinha sempre com a mesma roupa: camiseta de proteção solar, bermuda, tênis e, claro, o inseparável capacete.

— “Saio da aula e vou direto pro trabalho…”, contou.


Trabalhava na construção civil. Isso mesmo. No meio da correria da semana, com as aulas presenciais às terças, ele dava um jeito. Deixava a vida dura lá fora por algumas horas e mergulhava no desafio de aprender algo completamente novo.


Hoje, ele chegou diferente. Sentou devagar, como quem precisava dizer algo. Esperou a turma se organizar, olhou ao redor e, com a voz firme e serena, nos disse:


— “Hoje é meu último dia aqui. A vida tá passando a 180 por hora, e eu não tô dando conta. Tenho me sentido meio fora de ritmo, como se estivesse atrapalhando o andamento da turma…”


A sala ficou em silêncio. Não aquele silêncio de surpresa, mas o de respeito.


Ele continuou:

— “Mas quero dizer a vocês: é possível. Mesmo com 65 anos. Mesmo com todos os desafios. Eu estive aqui. E isso, pra mim, já valeu muito.”


E ali, naquele momento, aprendi mais do que em qualquer slide.


Porque não era só sobre tecnologia, não era sobre velocidade ou performance. Era sobre coragem. Sobre reconhecer os próprios limites sem deixar de se orgulhar do caminho. Sobre tentar. Estar ali, entre jovens, cadernos, códigos e sonhos, foi um ato de bravura silenciosa.


Ele poderia ter saído sem dizer nada. Mas fez questão de se despedir, de encorajar, de nos lembrar que o simples fato de estar ali já era uma vitória.


Eu saí da sala pensando nele. Pensando na beleza de quem recomeça, mesmo quando o mundo parece já ter corrido demais. Pensando que há dignidade em parar, mas mais ainda em tentar.


O vovô da turma pode ter deixado o curso, mas deixou uma lição que nenhum professor ensinou: a vida não tem idade para aprender. E mesmo quando a gente decide parar, o importante é ter tido coragem de começar.


De capacete, de bermuda, nas primeiras fileiras e de coração aberto — ele ensinou a todos nós.

domingo, 6 de abril de 2025

Dois anos de diferença e uma festa só

Chegamos naquela fase curiosa — e engraçadíssima — em que todo mundo, sem exceção, olha para meus filhos e pergunta com a maior naturalidade do mundo:


— “São gêmeos?”


E eu, já com uma resposta ensaiada e um sorriso no canto do rosto, explico que não: Nael tem 5, Naeli tem 3. Dois anos exatos de diferença. E então vem o olhar de surpresa, seguido de um “Nossa, parecem tanto!”

E olha… até parecem mesmo.

Não só no tamanho — que já começa a se equilibrar — mas nas birras sincronizadas, nas vontades que surgem ao mesmo tempo, nas manias herdadas um do outro, nas conversas onde só eles se entendem e se apoiam, como se fossem aliados num plano secreto chamado “vamos deixar a mamãe maluca de amor e de cansaço”.

E por mais que eu saiba que não são gêmeos, às vezes me pego olhando para os dois e pensando que o universo fez uma dobradinha muito bem feita. São tão diferentes, mas têm um jeito de se completar que emociona. Quando um chora, o outro consola (ou chora junto). Quando um ri, o outro ri ainda mais alto. Quando um quer o brinquedo do outro… bem, aí é guerra — mas uma guerra cheia de amor por baixo da gritaria.

Esse ano, mais uma vez, decidimos fazer o aniversário dos dois juntos. Uma festa dupla, colorida, barulhenta e linda. Só que com dois temas diferentes: de um lado, unicórnios, cheios de brilho e magia; do outro, Hot Wheels, com rampas radicais e carrinhos por toda parte. Foi como se o arco-íris tivesse batido de frente com uma pista de corrida — e funcionou perfeitamente.

Nael completou 5. Está cheio de perguntas complexas, argumentos convincentes e uma alma de inventor. Naeli fez 3. Doce, determinada, cheia de afeto e de decisões firmes para uma pessoa tão pequena.

Na festa, ele ajudou a irmã a apagar as velas dela. Foi um sopro coletivo de carinho. E ela sorriu, orgulhosa do irmão mais velho e cúmplice.

E eu ali, no meio de tudo, com os olhos cheios d’água e o coração explodindo de amor por esses dois seres tão incríveis e intensos.

Talvez eles não sejam gêmeos de nascença, mas são gêmeos de alma. Parceiros de vida, irmãos de travessura, cúmplices de infância. E eu? Eu sigo aqui, vivendo o privilégio — e a loucura — de ser mãe em dobro, em uma casa onde o amor vem sempre aos pares.

Mesmo com dois anos de diferença. Mesmo com temas separados. Porque, na prática, eles são juntos. Sempre.