terça-feira, 15 de abril de 2025

O Vovô da Turma (e o último dia)

Ele chegou de mansinho no primeiro dia. Olhar curioso, passo firme e uma serenidade no rosto que destoava do nervosismo dos outros alunos — boa parte ainda no ensino médio. Mas ele estava lá, com seus mais de 65 anos e uma coragem silenciosa que ninguém ousava questionar.


Rapidamente, ganhou um apelido carinhoso na minha cabeça: o vovô da turma.


Era impossível não notar sua presença. Ficava sempre com o capacete de ciclista na cabeça — sem cerimônia, como quem sabe que praticidade vale mais que estética — e fazia questão de sentar-se nas primeiras fileiras. Sempre atento, sempre participativo. Cativou a todos com sua gentileza, sua disposição e aquela vontade bonita de aprender.


Outro dia, entre uma conversa e outra, ele contou um pouco da sua rotina. Com um certo encabulamento, como quem pede desculpas por ser ele mesmo, disse que vinha sempre com a mesma roupa: camiseta de proteção solar, bermuda, tênis e, claro, o inseparável capacete.

— “Saio da aula e vou direto pro trabalho…”, contou.


Trabalhava na construção civil. Isso mesmo. No meio da correria da semana, com as aulas presenciais às terças, ele dava um jeito. Deixava a vida dura lá fora por algumas horas e mergulhava no desafio de aprender algo completamente novo.


Hoje, ele chegou diferente. Sentou devagar, como quem precisava dizer algo. Esperou a turma se organizar, olhou ao redor e, com a voz firme e serena, nos disse:


— “Hoje é meu último dia aqui. A vida tá passando a 180 por hora, e eu não tô dando conta. Tenho me sentido meio fora de ritmo, como se estivesse atrapalhando o andamento da turma…”


A sala ficou em silêncio. Não aquele silêncio de surpresa, mas o de respeito.


Ele continuou:

— “Mas quero dizer a vocês: é possível. Mesmo com 65 anos. Mesmo com todos os desafios. Eu estive aqui. E isso, pra mim, já valeu muito.”


E ali, naquele momento, aprendi mais do que em qualquer slide.


Porque não era só sobre tecnologia, não era sobre velocidade ou performance. Era sobre coragem. Sobre reconhecer os próprios limites sem deixar de se orgulhar do caminho. Sobre tentar. Estar ali, entre jovens, cadernos, códigos e sonhos, foi um ato de bravura silenciosa.


Ele poderia ter saído sem dizer nada. Mas fez questão de se despedir, de encorajar, de nos lembrar que o simples fato de estar ali já era uma vitória.


Eu saí da sala pensando nele. Pensando na beleza de quem recomeça, mesmo quando o mundo parece já ter corrido demais. Pensando que há dignidade em parar, mas mais ainda em tentar.


O vovô da turma pode ter deixado o curso, mas deixou uma lição que nenhum professor ensinou: a vida não tem idade para aprender. E mesmo quando a gente decide parar, o importante é ter tido coragem de começar.


De capacete, de bermuda, nas primeiras fileiras e de coração aberto — ele ensinou a todos nós.

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