O assunto pode ser
dramático ou engraçado, tão humano e tão difícil de entender. A mim, sempre buscando explicações e significados porque tão pouco
entendo, me ocorre falar ou escrever exatamente sobre aquilo que menos sei.
Trabalho interminável, espécie de suplício de Sísifo: o pobre todo dia
empurrando montanha acima uma grande pedra que voltava a rolar pela encosta, a
fim de que o torturado recomeçasse mais uma vez. Querer alcançar o significado das coisas, da vida, das gentes, de seus
relacionamentos e desencontros, é um pouco assim. Seguidamente me indagam – ou tento imaginar – o que seria um
relacionamento perfeito. Eu ai escrever “casamento”, mas preferi a outra
palavra, porque ela não tem nada a ver com cartório e burocracia, opressão ou
coerção social e familiar: tem a ver com querer se ligar a alguém, e querer continuar
ligado. Cada dia, ao acordar, fazer de novo a escolha: eu quero mesmo
é você comigo. Mas “perfeito! É uma palavra
tola: perfeição, só no céu de todas as utopias. Aqui, nesta nossa terra nada
utópica, perfeição me parece um pouco entediante: como, nada a reclamar, tudo
assim direitinho? Olho pela janela e bocejo:
muito sem graça, a tal perfeição. O céu com anjos tocando harpa pelo tempo sem
tempo me deixava pasmada já na infância. Nada mais? Nem uma brincadeira
proibida, um escorregão nas nuvens, uma risada na hora do sagrado
silêncio...nem uma transgressãozinha na ordem celestial? Minha alma indisciplinada não encontraria alimento nem estímulo, e ia-se
desfazer em fiapo de nuvem embaixo de algum armário onde se guardassem os
relâmpagos e os trovões, e todas as duras sentenças. Então, relacionamento perfeito, nem pensar. Mas uma ligação de cumplicidade e ternura, de sensualidade e mistério, ah,
essa eu acho que pode existir. Como todos os contratos (não falo de papel mas
de corpo, coração e mente), esse precisa ser renovado de vez em quando: a gente
tira o contrato da gaveta da alma, e discute. Briga talvez, chora, reclama, mas
ainda ama, ainda deseja. Ainda quer o abraço, o passo no corredor, o corpo na
cama, o olhar atento por cima da xícara de café...quer até a desorganização e a
ruptura, para depois de novo o que é bom se reconstruir. Que seja vital: isso me parece uma boa parceria. Que seja dinâmica, seja
lá o que isso significa em cada caso. Pelo menos, não acomodada, mas muito
aconchegante. Que seja sensual e amiga, essa
ligação: se não gosto do outro como ser humano, com seus defeitos, sua
generosidade e egoísmo, força e fragilidade, se não o quereria como
amigo...como então, mesmo com tempero do desejo, posso me relacionar com ele
para uma vida a dois? O tema é quase infinito: pois
cada caso é um caso, assim como cada casal é um casal, e cada fase da vida do
indivíduo ou dois é diferente. O bom é quando esta constante
transformação se faz para maior cumplicidade, e não mais distanciamento. Que um relacionamento não seja prisão: que não seja enfermaria nem muleta;
mas que seja vida, crescimento (turbulências eventuais incluídas.) Que seja libertação e ajuda mútua; não fiscalização e condenação, a
sentença pronunciada numa frase gélida ou num olhar acusador, ar de reprovação
ou lamúria explícita. Que seja cumplicidade, porque
a vida já é difícil sem afetos. O som dos passos no corredor pode ser um
conforto inacreditável, o corpo ao lado na cama uma âncora para a alma aflita.
O entendimento recíproco é um oásis no isolamento desta nossa vida pressionada
por tempo, dinheiro, regras, mil solicitações de família, grupo social,
realidade do mundo. Que seja presença e companhia,
o relacionamento bom: pois a solidão é um campo demasiado vasto para ser
atravessado a sós.
Lya Luft
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