segunda-feira, 10 de novembro de 2025

A pressa que não cabe no relógio

Você anda apressado?

Seu dia parece curto demais?
Anda comendo rápido, falando rápido, vivendo rápido… como se estivesse sempre tentando pegar um ônibus que já arrancou da parada?

Outro dia, me peguei dizendo pela milésima vez: “Nossa, a semana passou voando!”
E logo em seguida pensei:
Mas quem está voando… é a semana, ou sou eu correndo atrás dela?

Há quem diga que é o tempo moderno, que tudo anda acelerado, que a vida pede pressa.
Mas a verdade é que a pressa não está no relógio, está em nós.
É essa mania de achar que, se pararmos um pouco, vamos ficar para trás — como se a vida fosse uma competição em que o troféu fosse apenas sobreviver ao mês.

Corremos para trabalhar.
Corremos para resolver.
Corremos para responder mensagem, para postar, para entregar, para provar, para não decepcionar.

E no meio dessa maratona sem medalha, esquecemos de viver.

Não é que o tempo esteja mais curto.
É que estamos enchendo cada minuto de tarefas, expectativas, metas, cobranças.
Estamos ocupando cada espacinho da agenda — e deixando vazios os espaços da alma.

A pressa se tornou hábito.
E o hábito virou identidade.
Mas quem foi que disse que precisamos ser rápidos para sermos completos?

Se a vida fosse realmente curta como dizem, por que insistimos em atravessá-la correndo?

Talvez a pergunta certa seja outra: o que estamos tentando evitar quando aceleramos?
O silêncio?
A solidão?
A reflexão que aparece quando paramos?
Ou o medo profundo de perceber que estamos cansados demais?

A pressa nunca foi sinal de produtividade.
Às vezes é só um jeito educado de esconder a exaustão.

E sabe o mais curioso?
Quando desaceleramos — mesmo que só por um minuto — percebemos que o tempo não voa, ele caminha.
Devagar.
Constante.
No passo que sempre teve.

Quem estava correndo éramos nós.

Então, da próxima vez que sentir tudo rápido demais, pare um pouco.
Um gole de café sem olhar para o celular já é um começo.
Uma respiração mais longa também serve.
Porque desacelerar não é perder tempo —
é recuperar o pedaço de vida que deixamos cair pelo caminho.

A vida não é curta. 
Curto é o tempo que a gente realmente vive dentro dela.

quarta-feira, 29 de outubro de 2025

O espelho e a esponja

 

Enquanto minha pequena de três anos comemora cada palavrinha falada com perfeição — como quem descobre um superpoder —, o meu pequeno de cinco vibra com o terceiro dentinho que caiu.

E lá estamos nós, mais uma vez, comemorando juntos, como se o mundo se renovasse a cada conquista.


É que na maternidade, cada dia é uma estreia.

Um dente que cai, uma frase que sai certa, um “mamãe, eu consegui!”.

A casa vira palco, plateia e cameraman — tudo ao mesmo tempo.

E eu? Eu sou o público emocionado e o bastidor bagunçado.


Naeli, minha doce imitadora, segue o irmão em tudo.

Se ele escova os dentes, ela escova.

Se ele corre, ela voa.

Se ele fala “por que chove?”, ela pergunta “por que sol?”.

É fascinante e, confesso, um pouco assustador perceber o quanto eles absorvem — palavra, gesto, humor, tudo.

Eles são esponjas.

Mas nós, pais, somos o espelho.


E aí mora o desafio.

Porque entre a pressa do dia, o trabalho, os estudos e o cansaço, a gente precisa lembrar que alguém nos observa com olhos que ainda acreditam que somos super-heróis.

Eles não enxergam nossas falhas — só o amor que colocamos em cada gesto.


Ser mãe é viver em constante tentativa de acertar.

É ser o manual e o improviso, o colo e a bagunça, o exemplo e o aprendizado.

E é, sobretudo, entender que criar filhos é construir o futuro com palavras simples e abraços demorados.


Talvez eu não saiba responder todas as perguntas do meu filho.

Talvez eu tropece nas minhas próprias respostas.

Mas se ele ainda acredita que eu sei de tudo, é porque, de algum modo, estou acertando.


A maternidade é isso: o caos mais bonito que já me aconteceu.



quinta-feira, 23 de outubro de 2025

A mulher que quase programou o mundo

 

Hoje, mais uma prova.

Python. E o conteúdo? Listas, tuplas, dicionários, conjuntos e funções.

Ou, como eu gosto de chamar: as cinco fases do desespero digital.


Lá estava eu, encarando a tela como quem encara um quebra-cabeça de mil peças sem figura de referência.

O professor dizia: “pensem logicamente”.

Lógica. Essa palavra devia vir com bula — tipo remédio controlado.


Enquanto tentava entender o que raios uma tupla faz da vida, pensei:

eu sou mãe de dois — três e cinco anos! Já resolvo brigas, almoço, banho e trauma infantil em menos de quinze minutos. Como é que eu não consigo resolver um dicionário?


E lá estava o Python, debochando de mim.

O código não rodava, o for loop girava em falso, e as listas… ah, as listas!

Listas eu tenho várias: de compras, de tarefas, de coisas que esqueci de fazer.

Mas essa, a do Python, simplesmente não colaborava.


A verdade é que aprender programação depois da maternidade é tipo tentar meditar no meio de um parque de diversões.

Você quer foco, mas alguém grita “mamãe, limpa aqui!” e o raciocínio lógico se muda pra outro planeta.


No meio do caos, eu penso: sou boa em tantas coisas.

Eu escrevo crônicas, toco violão, faço um bolo de cenoura digno de aplausos.

Sou mãe, empreendedora, estudante e, olha, até formada já sou!

Mas Python insiste em me provar que humildade é uma virtude.


E ainda tem aquele momento do drama final:

olho pro professor, depois de 1h40 de prova, e confesso —

“Professor, dessa vez nada completou… os códigos não lêem.”

Ele sorri, eu engulo o choro e salvo o arquivo:

tentativa_final_vai_agora_sim_por_favor.txt.


Saio da sala com a sensação de derrota e esperança ao mesmo tempo.

Porque amanhã é outro dia.

E se a vida é um grande try... except, eu sigo no try, com café, coragem e duas crianças que me esperam em casa gritando:

“Mamãe, cadê o tablet?”


quinta-feira, 9 de outubro de 2025

“Por que você não precisa ser só isso”


Hoje, recebi um abraço do qual eu estava precisando.

Talvez até o conforto e o impulso que faltavam para continuar.

Um abraço carregado de verdade, compaixão e empatia — desses que a gente sente que não vêm das palavras, mas do olhar.


Aconteceu depois de uma prova de Cálculo. Eu era uma das três últimas da sala.

O frio do ar-condicionado competia com o frio que eu sentia por dentro.

Olhei para o professor e, sem pensar muito, deixei escapar:

— Por que eu não posso só ser mãe mesmo?


Ele respondeu sem hesitar, com uma firmeza tranquila:

— Porque você não precisa ser só isso.

E completou:

— Esse questionamento é a sociedade que lhe impõe.


Fiquei em silêncio.

Aquela frase ecoou em mim como quem acende uma luz em um cômodo esquecido.

Porque, sim, eu sou mãe.

Mas também sou mulher, estudante, profissional, sonhadora — e às vezes, tudo isso ao mesmo tempo.

E é nessa sobreposição de papéis que mora o peso e a beleza de existir sendo mulher.


Eu me cobro demais.

Cobro-me em casa, com os filhos, nas tarefas, nos estudos, nas obrigações.

Cobro-me porque me ensinaram que para ser boa eu precisava dar conta — e dar conta sozinha.

Mas não, a gente não precisa.


Ser mulher é viver entre a exaustão e a potência.

É equilibrar o amor e a culpa, o sonho e o medo, o querer e o permitir-se.

E no meio disso tudo, aprender que não há nada de errado em parar, respirar, pedir colo — ou se orgulhar de ser quem se tornou.


O abraço que recebi não foi apenas um gesto de empatia.

Foi um lembrete de que o “só” é uma armadilha.

A mulher não precisa ser só mãe, só profissional, só esposa.

Ela pode ser o que quiser — e tudo o que quiser.


Porque o “só” nunca coube em nós.




domingo, 5 de outubro de 2025

A mãe que corre, corta e conquista



Esses dias, entre uma prova e outra, com o barulho dos brinquedos de fundo e a panela de pressão sussurrando na cozinha, pensei: “Talvez eu só quisesse ser mãe.”

Mãe inteira, que vive a maternidade com a doçura que ela exige e o caos que ela entrega.

Mas logo a realidade veio me puxar pelo braço — ou melhor, pelo avental.


Ser mãe e empreendedora é correr atrás de prazos com criança pendurada na perna.

Ser mãe e estudante é revisar um texto acadêmico enquanto decora a coreografia da apresentação escolar.

E ser mãe de dois pequenos é dominar a arte do “corre-corte”: corta a cebola, corta o PDF, corta o cabelo do boneco, corta o tempo pra respirar.


É curioso como a sociedade romantiza o equilíbrio.

Mas quem vive esse malabarismo diário sabe: equilíbrio é mito.

O que existe é prioridade do momento.

Hoje é o trabalho, amanhã é a lição de casa, depois é a febre no meio da madrugada.

E, no fim do dia, o prêmio é o abraço suado e o “te amo, mamãe” que recarrega até a bateria da alma.

E a rede de apoio? Ah, essa é exclusiva.

Tem nome, sobrenome e um quê de super-herói: meu marido.

Ele é o único com quem posso contar para dividir as tarefas, os perrengues, os horários, e — quando dá — os suspiros de alívio.

Mas mesmo com ele, há dias em que o corpo cansa e a cabeça pesa.

Porque mãe é multitarefa até quando dorme.


E ainda assim, entre o cansaço e a culpa, há algo bonito.

Há uma mulher que não desistiu de estudar, que ousa empreender, que aprende com as quedas e se reergue mesmo sem tempo de respirar.

Porque, no fundo, ser mãe não é um papel.

É um superpoder. Um daqueles que o mundo nem sempre reconhece, mas que transforma tudo ao redor.

E se um dia alguém perguntar como damos conta de tudo…

a resposta será simples: não damos.

Mas fazemos, do nosso jeito, e isso já é extraordinário.

segunda-feira, 22 de setembro de 2025

Do tatame à mesa de cirurgia

Ontem, meu filho de 5 anos foi campeão na sua primeira competição de karatê. O menino entrou no tatame como quem entra no quintal de casa: tranquilo, focado e cheio de energia. Saiu com a medalha no peito e o brilho nos olhos de quem acabou de descobrir que é capaz de muito mais do que imaginava. E eu, claro, ali na arquibancada, quase precisei de um desfibrilador para aguentar tanta emoção.


Hoje, porém, o campeão troca o quimono por um avental cirúrgico imaginário. É dia de postectomia — aquela cirurgia simples, que estima-se que até 20 a 25% dos meninos precisarão em algum momento da infância. Nada grave, mas ainda assim… é cirurgia, né? Para mãe, cirurgia nunca é “simples”.


E o meu pequeno campeão, de novo, mostrou força. Um chorinho leve de manhã, uns olhos marejados… mas nada que escondesse sua coragem. E, como bom estrategista de cinco anos, já tinha sua lista de recompensas pela bravura: Hot Wheels, pistas e carrinhos novos, Kinder Ovo e, claro, o melhor prêmio de todos — uns dias sem ir à escola.

Enquanto o vejo ali, sereno e forte, percebo que as crianças têm uma sabedoria que a gente perde ao crescer. Ele me ensina, sem saber, que é possível enfrentar o que assusta com leveza, que é permitido chorar e, ainda assim, ser corajoso. Ontem, ele me ensinou a lutar no tatame. Hoje, me ensina a lutar na vida.


E eu só posso agradecer. Porque, se a maternidade é um treino constante de paciência e resiliência, meus filhos são, sem dúvida, os melhores senseis que eu poderia ter.



quinta-feira, 18 de setembro de 2025

A ansiedade que não aparece nas fotos


Hoje, na academia, entre uma série de exercícios e outra, a conversa caiu no tema ansiedade. Minha amiga, num tom de admiração, comentou que eu não tenho problemas. Que eu sou tranquila, equilibrada, que não me impressiono demais. Ela dizia isso como quem enxerga serenidade onde talvez haja tempestade. Não foi julgamento, não foi crítica. Foi elogio sincero.


E eu fiquei pensando: ah, se ela soubesse.


Porque a verdade é que sim, eu me impressiono demais. Só que, no meu caso, os sintomas não aparecem em placas luminosas: eles aparecem nos dedos machucadas, que minha manicure reconhece como sinais de alerta.

Aí entra a parte “engraçada” — se é que dá para rir disso. Eu sou mãe de dois pequenos, empreendedora, dona de casa, estudante e esposa. Minhas cobranças começam antes mesmo de escovar os dentes. Já acordo fazendo inventário mental: a bolsa da escola está completa? Coloquei o calção, a blusa que minha filha pediu? A meia extra? Porque se eu esquecer, já sei que no fim do dia vou carregar a culpa como se tivesse cometido um crime federal.

E quando a noite chega, não é só “boa noite” e cama. Não. Eu preciso esperar meus filhos adormecerem, porque sinto que eles precisam perceber minha presença ali. Só depois disso eu me permito fechar os olhos — já pensando se a casa está em ordem, se a rotina do dia seguinte vai fluir ou se a ansiedade vai dar as caras.

E, no meio disso tudo, ainda me pressiono: será que meus filhos estão bem na escola, longe de mim? Será que eu estou dando conta? A maternidade é um eterno questionário sem gabarito, e a gente tenta responder de improviso.

É por isso que digo: ansiedade não escolhe, não faz distinção. Não importa se você parece calma, organizada, ou até exemplar. Ela chega, em maior ou menor escala, para lembrar que não somos super-heroínas.

E talvez seja aí que entra a importância da sororidade. Não para competir sobre quem aguenta mais, mas para compreender que todas nós carregamos fardos invisíveis.


Então, se eu pareço tranquila, lembre-se: tranquilidade, às vezes, é só a maquiagem social que a gente passa para sobreviver ao dia.

E se você também acorda com listas mentais, termina o dia se culpando por meias esquecidas e ainda assim segue firme, saiba: você não está sozinha. Estamos todas tentando — e isso já é muito.


sábado, 30 de agosto de 2025

Crônica dos 32

Faço 32.

E talvez eu tenha descoberto a vida só agora. É curioso, porque até então eu achava que estava vivendo — mas não, eu apenas cumpria etapas, riscava listas, atravessava dias. Quem me ensinou o que é viver de verdade foram eles: meus filhos. Foram os olhos deles que me mostraram que a vida também tem cheiro de bolo quente, tem cor de pôr do sol e tem a leveza de uma gargalhada que escapa sem pedir licença.


Com eles eu aprendi que viver não é suportar. Viver é sentir. É se permitir. É sonhar de novo.

E por eles eu sou capaz de tudo. Até de recomeçar os sonhos que eu tinha deixado esquecidos num canto da gaveta.


Hoje, aos 32, eu me permito escrever em voz alta aquilo que pulsa dentro de mim:

EU QUERO PROVAR AS PARTES MAIS GOSTOSAS DESSA VIDA POIS É A MINHA PRIMEIRA VEZ VIVENDO ELA. EU MEREÇO TANTO E, APESAR DE TER ESSE FRIO NA BARRIGA COM O ENVELHECER, EU NÃO QUERO OLHAR PARA TRÁS EM VINTE ANOS E ME ARREPENDER DE NÃO TER VIVIDO A VIDA QUE EU SEMPRE QUIS E SONHEI VIVER.


Sim, eu tenho medo. Mas o medo só confirma que estou no caminho certo: o da coragem.

Porque coragem é isso — andar com frio na barriga, mas andar.


Aos 32, eu não quero prometer perfeição, só quero prometer presença. Quero estar inteira nos abraços, nas conversas, nos encontros, nas danças improvisadas da sala. Quero me rir mais. Quero dizer mais “sim” para o que me aquece e mais “não” para o que me apaga.


Esse é o presente que me dou: a permissão de viver a vida com doçura.

E que venham os próximos anos. Porque agora, sim, eu estou aqui de verdade.



terça-feira, 26 de agosto de 2025

Crônica – Forte e Corajosa


“Seja forte e corajosa.”

Essa frase sempre ecoou em mim como um lembrete. Não daqueles escritos em post-it colorido na parede, mas como um chamado silencioso que me acompanha nas decisões mais difíceis da vida.


Lembro quando comecei a pensar em ter filhos. Ouvia que eu não aguentaria. Como se a dor do parto fosse um obstáculo intransponível, quase uma sentença de fraqueza. Mas eu já sabia que dor nenhuma me define, e quando a maternidade chegou, encarei com coragem o que diziam ser impossível.

Foi só depois, já com meus dois pequenos de 4 e 2 anos, que a vida me apresentou outro desafio: a doença da coluna. E ali, a dor ganhou um peso diferente — não era só minha. Era a dor de precisar recusar o colo que eles pediam, de não poder correr atrás, brincar como antes. Era a dor de olhar para eles e dizer “não posso” quando tudo em mim queria dizer “vem”. Vieram meses de fisioterapia, remédios, procedimentos, noites sem dormir. Até que chegou a cirurgia — e com ela, o processo lento, exigente, mas libertador da cura.

Por isso, quando alguém dizia que eu não aguentaria certas dores, eu sorria por dentro. Porque quem já passou pela maternidade e depois enfrentou uma cirurgia de coluna com duas crianças pequenas pedindo por você… sabe que pode enfrentar o que vier.

Depois, veio a outra grande escolha: pausar a carreira para estudar algo novo. Quantos me disseram que era arriscado, imprudente até. Mas quem disse que coragem é ausência de risco? Coragem é justamente isso: dar o passo no escuro porque se confia que lá na frente haverá luz. E, se não houver, a gente acende uma vela.

Não falo de oportunidades fáceis, de portas que se abrem sozinhas. Eu sei — com todas as letras — que elas não caem do céu. Oportunidade é degrau. É subida lenta, cheia de tropeços. É escada que parece não ter fim. E é no suor das mãos, no fôlego que falta e nos “não” que se recebe, que se constrói a chance de seguir.

Hoje, ao olhar para trás, vejo que não foi a dor que me definiu, mas a coragem de enfrentá-la. Não foram as pausas que me enfraqueceram, mas a ousadia de recomeçar.

E, se há algo que eu aprendi, é que ser forte não é nunca vacilar — é continuar mesmo quando se vacila. Ser corajosa não é nunca ter medo — é andar com ele no bolso e não deixá-lo ditar os passos.


Por isso, sigo repetindo para mim mesma, como um mantra:

seja forte e corajosa.

Porque é assim que a vida vale a pena ser vivida.


domingo, 10 de agosto de 2025

Crônica – O que aprendi com meu pai


Hoje é Dia dos Pais.

E, mais do que um presente ou uma data no calendário, é um daqueles dias em que a gente percebe o quanto as lembranças carregam peso e leveza ao mesmo tempo.

O que eu aprendi com meu pai não cabe em um presente, nem em um discurso pronto. São ensinamentos que vieram aos poucos, misturados com o jeito dele de viver — às vezes silencioso, às vezes firme, às vezes com aquele humor meio disfarçado que só quem conhece entende.

Aprendi que responsabilidade não é peso, é compromisso. Que palavra dada vale mais do que qualquer papel assinado. Que respeito se conquista no dia a dia, e não na força. Que cuidar dos outros é tão importante quanto cuidar de si.


Nos dias bons, ele me mostrou que alegria mora nas coisas simples: um almoço em família, uma conversa na varanda, um conselho dado no momento certo. Nos dias difíceis, me ensinou que a vida exige coragem — e que nem sempre precisamos falar muito para sermos presença.

Meu pai não me ensinou só a andar, mas a caminhar com propósito. Não me mostrou só o que é certo ou errado, mas como encontrar meu próprio caminho sem esquecer de onde eu vim.

Hoje, como adulta, percebo que muito do que sou nasceu da paciência, da firmeza e do amor silencioso dele. E se um dia eu for capaz de transmitir aos meus filhos metade do que aprendi com ele, já vou me considerar vitoriosa.


Feliz Dia dos Pais, pai.

O senhor é, e sempre será, minha maior referência de força, honestidade e amor que não precisa de palavras para ser sentido. 


terça-feira, 5 de agosto de 2025

Treinar é preciso, gostar é lucro

Olha, eu confesso: eu era daquelas que só entrava na academia por obrigação médica. Não por estética, não por vaidade, não por endorfina — por COLUNA mesmo. Hérnia de disco, dor lombar, fisioterapeuta no cangote e uma receitinha de “musculação leve” que eu, honestamente, achava que fosse código pra “vá passar vergonha com os pesos de 2kg”.


E eu fui. Meio arrastada, meio indignada. Já na matrícula, disseram: “Vamos te deixar nova!”. Eu só pensei: “Nova? Nova eu era antes de parir dois filhos, antes de carregar mochilas, crianças e o peso da existência!”. Mas fui.


Aí vieram os treinos... e o ódio de cada agachamento. O instrutor todo empolgado: “Bora ativar esse glúteo!”. E eu só queria ativar o botão de sair correndo. Mas não podia — a coluna, lembra? Eu era a mulher do “pela saúde”.


Só que algo mudou.

Aos poucos, descobri o poder de um pré-treino, gente. Aquele pozinho que te deixa elétrica, com vontade de limpar a casa, treinar e fazer TCC tudo na mesma tarde. Descobri o magnésio, que me deu sono. Descobri a melatonina, que me deu sonhos. Descobri que, com a suplementação certa, eu podia virar a versão da Beyoncé de mim mesma, mesmo que só dentro da academia.


Agora? Agora eu gosto do treino.

Não sou marombeira, mas fico chateada se não sinto dor muscular no dia seguinte. É tipo: “Ué, não vai doer o glúteo? Não fiz direito então!”. Já estou naquela fase que olha o próprio bíceps e diz “olha, está surgindo hein?”. E nem ligo se ninguém vê, eu vejo, e isso basta.


Hoje, sou mãe de dois, passei dos 30, e olha... o tempo não é mais meu aliado. Então separei um pedaço dele pra mim. Pro meu corpo. Pro meu humor. Porque, além da coluna, quem agradece é minha sanidade.


E se alguém me perguntar “você treina por quê?”, já aviso:

“Comecei pela dor. Fiquei pelo drama. Continuei pelo prazer de ver minha nova versão — suada, cansada, mas feliz.” 

E que venha o próximo treino.

Com pré-treino, playlist empolgante e, claro, aquela pose no espelho que ninguém precisa ver, mas eu? Eu aplaudo!


sexta-feira, 1 de agosto de 2025

Quando as palavras não têm mais toque

O amor não termina gritando. Nem quebrando porta. Nem com alguém saindo de mala na mão e drama no corredor.


O amor termina no silêncio.


Termina quando as palavras ainda existem — mas perderam o tato.

Já não tocam, não arrepiam, não fazem falta quando não vêm.


O amor acaba assim, meio sem aviso.

De repente o “bom dia” vira rotina, o “cheguei” não importa.

E o “te amo”? Ah, esse vira concessão.

Vira vírgula entre tarefas, protocolo, vício de quem não quer encarar o vácuo de um “nada mais a dizer”.


Porque o amor, de verdade, precisa de corpo nas palavras.

Precisa de mãos que falem. De olhos que escutem.

De frases que encostem como abraço.

O amor não sobrevive só de som. Tem que ter pele, cheiro, riso entre as linhas.


E quando a gente começa a responder no automático, quando um “tá” já substitui um “tô aqui contigo”,

quando a mensagem é só mensagem e não mais presença,

é porque o amor…

foi embora e esqueceu de fechar a porta.

O amor não morre de repente.

Ele morre aos poucos, sem alarde.

Morre de tédio, de ausência, de toque que não vem,

de palavras que não sabem mais tocar.


E aí, não adianta gritar.

Porque já não tem ninguém pra escutar.


quinta-feira, 24 de julho de 2025

Por que eu não falo de política

Não é desinteresse. Não é alienação.

Eu leio. Eu escuto. Eu observo tudo com atenção. Mas não falo.

Talvez seja defesa. Talvez cansaço. Talvez seja só uma memória — das muitas vezes em que vi meu pai, homem simples, honesto até os ossos, se exaltar diante de injustiças que pareciam imutáveis. Vi a política tirar o brilho dos olhos dele. Vi a revolta consumir seus domingos. Vi o nó na garganta diante da corrupção que parecia vencer sempre.


Então, cresci entendendo que falar de política doía. E mais do que isso: muitas vezes, não adiantava. Porque nem todo mundo queria escutar — só vencer a discussão.

E eu… eu cansei das lutas que não levam a lugar algum.


É um defeito? Talvez seja.

Talvez seja medo de me consumir por dentro.

Ou só uma escolha de paz.

Não é omissão, é um limite que tracei.

Eu leio, me informo, voto com consciência. Mas não dou palco à raiva.

Não quero que ela me molde.

Então eu escuto.

Porque tem gente que ainda precisa colocar pra fora.

E tudo bem.

Eu só escolhi guardar em silêncio o que em mim ainda grita.



sexta-feira, 18 de julho de 2025

Quando vocês crescerem

Filhos, se um dia encontrarem esse texto, talvez em um caderno velho, em uma pasta perdida do computador, ou em algum cantinho do meu blog, saibam: escrevi com o coração cheio e os olhos um pouco marejados.

Hoje vocês ainda são pequenos — Nael com suas descobertas encantadas, suas perguntas que exigem do mundo mais do que simples respostas, e Naeli com sua doçura de quem brinca de boneca sendo, ao mesmo tempo, uma tempestade de imaginação e ternura.

Vocês me chamam o tempo todo. Chamam pra ver um desenho, pra contar uma história pela metade, pra mostrar um desenho mal recortado ou uma dancinha nova. Chamam quando o brinquedo quebra, quando querem o meu braço pra dormir, quando um precisa da minha atenção e o outro já está agarrado em mim. Eu vivo em um constante "vem aqui, mamãe", e isso, meus filhos, é o som mais bonito da minha rotina.

Talvez, quando forem grandes, achem que mamãe era cansada demais, distraída em alguns momentos ou até ranzinza em outros. E é verdade, às vezes eu estava exausta. Tentando ser estudante, profissional, esposa, dona de casa e mãe — tudo ao mesmo tempo. Mas também é verdade que cada sorriso de vocês me empurrava para frente. Cada abraço, mesmo os mais grudados e suados, eram combustível.

Quando crescerem, talvez nem se lembrem do quanto brigaram pelo meu colo, das vezes em que adormeceram aos meus pés enquanto eu ainda digitava ou estudava. Talvez não lembrem que eu comia o que sobrava, que trocava um banho tranquilo por um banho corrido entre brinquedos espalhados pelo chão. Mas tudo bem. Porque isso é o amor de uma mãe: dar, sem cobrança. Ser, sem medida.

Espero que, quando forem grandes, carreguem com vocês a leveza de terem sido amados sem limites. Que saibam que toda a correria teve um propósito. E que se, um dia, a vida parecer dura demais, vocês se lembrem que vieram do afeto, do riso fácil, do “tudo bem chorar”, do “eu tô aqui, filho”.

Se forem ler isso em um momento de dúvida, insegurança ou saudade… fechem os olhos por um instante. Imaginem minha voz dizendo o que sempre disse: “Mamãe está fazendo tum-tum aqui dentro do seu peito”.


E estará. Sempre.


Com todo amor do mundo,

Mamãe.

segunda-feira, 30 de junho de 2025

O bracinho mais disputado do mundo

 

Aqui em casa, existe um território valioso. Pequeno, macio, muitas vezes cansado… mas disputado como se fosse ouro: meu braço.

Sim, o meu bracinho — esse mesmo, que passa o dia inteiro lavando louça, digitando, segurando mochila, penteando cabelo, fazendo cafuné e passando protetor solar enquanto diz: “apressa, vai atrasar!”. Esse bracinho virou patrimônio afetivo dos meus filhos.

Nael, com seus cinco anos e uma sabedoria emocional que me desmonta, já começa o dia dizendo:
— “Mamãe, ficar com você é o melhor.”
E diz isso com os olhos inchados de sono, tentando negociar a permanência enquanto veste a farda, questionando, mais uma vez, por que ele não pode ficar comigo todos os dias.
Outro dia, ele foi mais fundo. Me acusou, com voz de mágoa:
— “Você mentiu, mamãe. Eu coloco a mão no peito e você não responde!”
Foi como se tivesse apertado um botão dentro de mim que nem eu sabia que existia.
Respirei. Abracei. Expliquei mais uma vez sobre a saudade, sobre imaginar o tum-tum do meu coração e sentir que estou ali. Mas ele quer resposta, ele quer presença de verdade — não metáforas poéticas. E eu entendo. Como entendo.

Naeli, a pequena de três anos, tem uma doçura própria. Mas não pensem que ela fica de fora dessa novela afetiva.
Chega a noite e ela já olha desconfiada:
— “Hoje eu durmo agarradinha com você, tá?”
E repete isso em looping, até eu confirmar com beijo, olhar, toque e todas as garantias possíveis.

Aqui em casa, a logística do sono é quase uma partida de xadrez.
Eu ponho Naeli para dormir. O pai fica com Nael. Mas, claro, isso está longe de ser simples.
Porque os dois querem a mesma coisa: o meu braço.
Aquele lugar quente, confortável e acolhedor, onde eles parecem sentir que o mundo para de girar rápido demais.

Às vezes choro escondida.
Não de tristeza, mas de um amor exausto.
Porque ser a pessoa preferida do mundo de duas criaturinhas tão intensas, tão amorosas, tão carentes e tão cheias de vida... é um privilégio que pesa.

Eles dormem.
Aos berros, às vezes.
Disputando quem chega primeiro ao lado do meu corpo.
E eu ali, um pouco esticada demais, meio entortada, mas presente.
Sendo travesseiro, porto seguro, remédio de saudade e termômetro emocional.

E enquanto eles não crescem — e não entendem que o amor de mãe é tão grande que se estica para caber nos dois, mesmo que eu só tenha dois braços —, sigo cedendo meu espaço e minha paciência, tentando, todo dia, ensinar que o amor deles não se divide: ele se multiplica.

Mas confesso: tem dias em que eu também queria um colo.
Um bracinho só para mim.
E alguém que me dissesse:
— “Pode dormir. Tá tudo bem. Eu fico aqui com você.”

terça-feira, 24 de junho de 2025

Juliana, o silêncio e o abismo

Juliana queria ver o mundo de cima.

Fez como tantos fazem: arrumou a mochila, pesquisou trilhas, escolheu um vulcão, daqueles com nome bonito e paisagens cinematográficas. O Monte Rinjani, na Indonésia, é um destino disputado por aventureiros — e foi lá que ela sonhou estar.

Não há nada de estranho nisso. O desejo de ver o nascer do sol do alto, de se sentir pequena diante da natureza gigante, de registrar uma experiência que não cabe em palavras. Isso é humano. Isso é vida.

Mas a vida de Juliana não pôde continuar.
Porque a caminhada foi longa, o cansaço foi real, e o guia — pago para acompanhá-la — a deixou para trás.
Ali, sozinha, exausta, ela caiu.
Não caiu apenas do penhasco.
Caiu num vácuo de responsabilidades.

Quatro dias.
Quatro dias para que dissessem que o corpo estava ali.
Quatro dias para a família implorar por respostas, ser enganada com informações falsas e viver a tortura do talvez.
Quatro dias que pareceram uma eternidade em cima de uma montanha onde ninguém deveria estar só.

A essa altura, a história já é notícia.
Matérias vêm e vão.
Nomes, idades, mapas, notas da Embaixada, falas genéricas sobre "esforços conjuntos".

Mas a gente sabe — no fundo sabe — que tudo poderia ter sido diferente.

Se o guia tivesse parado.
Se houvesse sistema de rastreio.
Se o Brasil tivesse agido mais rápido.
Se a empatia fosse política oficial.

A história de Juliana escancara tudo aquilo que fingimos não ver:
Que o turismo de aventura virou uma indústria lucrativa demais para se importar com segurança.
Que o socorro vem sempre tarde quando o problema está longe dos centros ou das prioridades diplomáticas.
E que a dor, quando não é nossa, ainda é tratada como detalhe.

Ela não queria morrer.
Ela queria viver intensamente.
E por isso, talvez, não seja o caso de culpar o sonho — mas sim, de exigir que sonhar não custe a vida.

Juliana não é só mais uma vítima.
Ela é o nome que grita para além das pedras e da cratera.
Ela é o eco que não pode se perder.

Para que outras mulheres, jovens, viajantes, mães e filhas possam voar, subir montanhas e voltar.
Com histórias, com fotos, com a alma leve — não com seus nomes gravados em lápides distantes.

Juliana queria ver o mundo de cima.
E o que ela nos deixou foi um alerta:
Não há beleza no mundo que compense o abandono.

domingo, 22 de junho de 2025

Eles sonhavam alto

A recente tragédia do balão em Praia Grande, Santa Catarina, deixou marcas profundas no ar e nos corações: entre 21 pessoas a bordo, oito morreram e 13 sobreviveram, após um incêndio no cesto durante o voo turístico . Vítimas com sonhos, projetos, histórias — como médicos, professores, casais em viagem, todos em busca de emoção e aventura no céu.

É difícil não sentir a brevidade da vida nesse momento, perceber como projetos e planos podem ser interrompidos em um instante. Essas pessoas estavam desfrutando pequenas grandes alegrias — o vento cortando o rosto, a paisagem lá embaixo, o riso solto. Eram sonhos pairando, literalmente, nos céus.

E, diante disso, me vem uma imagem poderosa na mente: a vida é frágil como um balão, leve como um sopro, e preciosa como cada segundo que respiramos. Que possamos aprender com eles a viver sem deixar para depois, a buscar a alegria com equilíbrio, a cuidar uns dos outros — e a celebrar cada amanhecer como uma nova asa em nossas próprias aventuras.


Eles queriam viver.

E viver, às vezes, é isso: sair cedo de casa com o coração acelerado, empolgado com o frio na barriga de algo novo — de algo tão simbólico quanto voar.


Eles queriam colecionar memórias.

Quem sabe era um presente de aniversário, uma celebração entre amigos, um pedido de casamento sonhado. Havia ali sonhos que nem chegaram a ser compartilhados, sorrisos que não tiveram tempo de ser fotografados, histórias que acabaram interrompidas no meio do voo.


E, no entanto, é impossível falar de tragédias sem falar também do que nos resta:

A memória.

A lembrança de que a vida é sempre hoje.

Que os abraços não dados, os planos adiados, os “depois a gente vê” podem não encontrar o tempo que esperavam.

Que a rotina que nos consome pode, num piscar de olhos, deixar de existir — e tudo o que fica é o que fizemos com os nossos dias.

O balão caiu, sim.

Mas lá no alto havia coragem.

Havia amor.

Havia vontade de ver o mundo de outro ângulo.

E que isso não se perca.

Que a dor se transforme em presença.

Que o medo nos ensine sobre valor.

E que a brevidade da vida não nos paralise — mas nos desperte.

Porque, no fundo, viver é saber que não temos controle algum, mas ainda assim escolher embarcar, olhar para o céu, e dizer com o coração cheio: valeu a pena tentar voar.

terça-feira, 10 de junho de 2025

Mesa para uma (e um mundo inteiro dentro)

 


Não lembro exatamente a última vez que saí sozinha. Sozinha de verdade.

Sem filhos pedindo suco.

Sem o companheiro puxando conversa sobre algo do dia.

Sem bolsa extra com brinquedo ou lanche.


Hoje eu saí.

Depois da aula, resolvi almoçar fora.

E não com alguém. Comigo.


Sentei. Escolhi a mesa. Peguei o cardápio como quem pega um espelho.

E veio aquele pensamento automático, repetido, como um mantra de autoajuda que a gente tenta acreditar:

"Aprecie a si mesma. A sua companhia. Você merece."


E eu tentei. De verdade.

Mas pra minha surpresa, foi até rápido escolher: pedi entrada, prato, sobremesa e suco de limão — o meu favorito.

Sem precisar dividir, consultar, adaptar. Era tudo pra mim.

E era exatamente o que eu queria.


A comida chegou, e junto com ela… o silêncio.

Não o silêncio de paz plena.

Mas aquele silêncio estranho, de quem está tentando lembrar como era mesmo estar só.

Sozinha com os próprios pensamentos, com o som dos talheres, com a liberdade de comer devagar.


E, aos poucos, fui lembrando.

Que sou boa companhia.

Que sei observar o mundo à minha volta sem narrar tudo em voz alta.

Que existe beleza em ouvir minha própria respiração entre uma garfada e outra.


Foi leve.

Meio esquisito no início.

Mas leve.


Comi com calma.

Saboreei cada parte.

E deixei o suco de limão, azedinho e fresco, me lembrar de que eu também gosto das coisas simples, daquelas que fazem sentido só pra mim.


E eu saí dali com uma certeza suave:

que às vezes a gente precisa mesmo reservar uma mesa pra uma.

Porque é nessa solidão voluntária que a gente se reencontra.

E percebe que, mesmo rodeada de amores,

a nossa própria presença também faz falta.


Não porque eu precise fugir da maternidade, do casamento, da rotina.

Mas porque, se eu não me buscar de vez em quando, posso me perder sem perceber.


Então hoje, naquela mesa de canto, com o garçom perguntando se estava tudo bem e eu respondendo “tá ótimo” com um sorriso sincero, eu celebrei um tipo diferente de presença: a minha.


E fiz um trato comigo mesma.

De sair mais vezes sem motivo especial.

De sentar sem pressa, andar sem destino, almoçar sem multitarefa.

De lembrar que, além de mãe, esposa, profissional…

Eu sou uma mulher.

Inteira.

Com gostos, pausas e pensamentos que valem ser vividos sozinha, de vez em quando.


Porque às vezes, ser sua melhor companhia é o reencontro mais necessário que existe.

sábado, 7 de junho de 2025

A boneca que se vestiu sozinha


Hoje de manhã, minha filha vestiu-se de boneca.

Não, não foi um vestido qualquer. Foi uma personagem. Uma versão dela mesma, imaginada no instante em que abriu a gaveta, escolheu uma roupinha “porque tava frio” — apesar dos 29 graus marcando firme no sábado ensolarado.


Meias longas. Sapatinho. Blusinha com detalhes delicados. Um cuidado digno de festa de princesa, embora o destino fosse a sala de estar.


Pediu penteado. Um laço aqui, um coque ali, e uma exigência muito clara: "tem que ficar igual da bonequinha, tá bom?"

E lá fui eu, com os dedos atentos e o coração derretido, trançando um pouco de cabelo e muito afeto.


Durante o dia, a blusinha deu lugar a um short. Mas as meias… ficaram. Os sapatinhos também.

Ela correu, pulou, aprontou. A casa virou cenário de aventura, salão de festa, consultório médico, loja de doces e zoológico — tudo ao mesmo tempo.


E quando a soneca da tarde veio, ela simplesmente adormeceu assim mesmo, de sapatinhos e meias, como se a brincadeira nunca tivesse acabado.


E eu, no meio da bagunça, só conseguia pensar:

Como ela é incrível.

Minha doce menina.


Com sua lógica de inverno tropical, sua independência teimosa, seu carinho espalhado em forma de brinquedo no chão e frases soltas que ecoam mais fundo do que parecem.


Ela não se vestiu só de boneca hoje.

Ela se vestiu de imaginação.

De liberdade.

De infância vivida com força.

E eu agradeço, em silêncio, por poder ver de perto essa menina crescendo com tanta autenticidade.


Ela é meu furacão de fita rosa.

Minha arte viva.

Meu caos mais bonito.



quinta-feira, 5 de junho de 2025

O silêncio entre uma coisa e outra

 

Tem dias — ou semanas, talvez — em que a gente sente que o mundo continua girando lá fora, mas aqui dentro tudo desacelerou.

Não é tristeza. Não é exatamente cansaço.

É outra coisa.


É como se o corpo inteiro pedisse uma pausa.

E a mente, mesmo agitada, começasse a falar mais baixo.

A atenção escapa, o foco se dissolve, o tempo parece mais longo. Até o tédio, de leve, visita.


Eu tenho estado assim.

Mais introspectiva, mais calada, mais dentro de mim.

E não sei se é o corpo falando — talvez sejam os hormônios bagunçados, talvez seja o tal do implante tentando ensinar uma nova dança biológica.

Ou talvez seja só a vida dizendo: senta, respira, olha pra você.


Esses momentos não vêm com avisos.

Eles interrompem sem bater na porta.

E, quando chegam, a gente se pergunta: “O que tá acontecendo comigo?”


Mas talvez não esteja acontecendo nada de errado.

Talvez esse seja só um período de pouso.

Sabe passarinho que voa demais e precisa parar no galho um pouco antes de seguir?

É isso.

Não é falta de produtividade.

É presença.

Ainda que esquisita, ainda que confusa.


Não é fraqueza.

É o corpo pedindo um minuto pra recalibrar.


E eu quis escrever isso pra você que, talvez, também esteja se sentindo meio estranha, meio dispersa, meio fora do ar.

Talvez seu corpo também esteja te puxando pra dentro.

Não pra te prender, mas pra te lembrar que você não é só tarefa, não é só entrega, não é só o que você faz pelos outros.


Você também é o que sente.

O que silencia.

O que observa quando ninguém está olhando.


Não se apresse.

Nem se cobre entender tudo agora.


Às vezes, o mais bonito que podemos fazer é simplesmente respeitar o tempo do nosso corpo.

E confiar que, mesmo em silêncio, a gente continua florescendo.


Devagar.

Mas viva.

Sempre viva.


quinta-feira, 29 de maio de 2025

Pequeno Samurai e a mãe multitarefa

 

Nael voltou pro karatê! Quase sete meses longe e ele lembrou de tudo. Tudo. Eu mal lembro onde deixei minha chave ontem, mas ele? Tá lá fazendo o “oiááá!” com a concentração de um mestre japonês reencarnado em um menino de 5 anos com 1 metro e pouquinho.


E o mais bonito? A cada movimento, ele olha pra mim. Não pro sensei. Pra mim.

Como quem diz: “Mãe, tá vendo? Foca em mim, não pisca!”

E lá estou eu: sentada na arquibancada da quadra, com a garrafa de água na mão, tentando manter o foco enquanto a irmã mais nova o admira... e ao mesmo tempo explora cada canto daquela quadra como se fosse um parque temático particular.


Ele é lindo. Um guerreiro de faixa azul que não se compara a ninguém. Só segue, no ritmo dele.



Agora, em casa... ah, em casa ele acha que os gnomos lavam a louça, dobram a roupa, fazem o jantar.

Porque a “mãezinha” — assim, nesse diminutivo que derrete o coração — precisa brincar, montar Lego, desenhar, virar o Sonic, ser vilã e depois virar enfermeira do boneco tudo em 20 minutos.


E você pensa: “Ué, cadê a infância que dizem que passa rápido?”

Passa, sim.

Mas antes ela te puxa pelo braço, pede mais um suquinho, grita do banheiro, derruba um brinquedo e diz:

— “Mamãe, olha pra mim!”


E eu olho. Porque o tempo dele com os olhos em mim… vai virar memória no meu peito.

Então, mesmo exausta, eu sigo.

Na arquibancada, no tatame da vida, na cozinha, no chão da sala...

Sigo com ele. Meu pequeno guerreiro. Meu orgulho azul.


segunda-feira, 26 de maio de 2025

“Você é meu suficiente, mamãe.”



Tem três semanas que tento escrever sobre isso.

Abro o caderno, encaro a tela… mas as palavras escapam. Talvez porque ainda estejam presas no nó que se formou no meu peito naquele dia.


Meu filho de 5 anos não quis ficar na escola. Era o segundo episódio da semana. Tentei conversar, argumentar, oferecer segurança. Insisti com carinho, e ele ficou. Mas meu coração ficou inquieto.


No fim do dia, fomos juntos pra casa, e perguntei o que estava acontecendo. Queria entender a causa, o medo, a tristeza por trás daquela resistência. E então ele respondeu, com a doçura e a verdade crua que só uma criança é capaz:


— “É porque você é meu suficiente, mamãe.”


Eu congelei.

Fiquei sem chão.

Um milhão de coisas passaram pela minha cabeça — mas nenhuma tão forte quanto aquela frase.


A gente passa a vida tentando ser suficiente. No trabalho, em casa, na vida. E quando se é mãe, o “ser suficiente” vira meta, cobrança, culpa.

E ele, tão pequeno, me disse que já sou.

Sem esforço. Sem teste. Sem currículo.


Sou o suficiente pra ele.

Sou o lugar seguro. O colo que ele quer. A presença que basta.


Me emocionei. E naquele momento, olhei nos olhos dele e disse:

— “Sempre que sentir saudade, coloca a mão no peito… a mamãe está aqui fazendo tum tum. Tá vendo? É meu coração batendo por você.”


Ele sorriu. E eu sorri também, com o peito apertado e cheio.


Foi bonito. Foi duro também.

Porque ser o suficiente pra alguém é lindo, mas também é um lembrete:

de que eles precisam da gente. De verdade.


E que às vezes, mesmo com toda a rotina, toda a correria, tudo que temos pra fazer, o que eles querem é só isso — a gente. Inteira.


Não sei se algum texto faria jus àquele momento.

Talvez nenhum consiga traduzir exatamente o que senti.

Mas agora, escrevendo, percebo:

essa frase vai morar em mim pra sempre.


"Você é meu suficiente, mamãe."

E eu sou.

Mesmo cansada. Mesmo em dúvida. Mesmo

 aprendendo.

Sou.

E isso… é tudo.


segunda-feira, 19 de maio de 2025

Quando você deixa de ser prioridade

 Às vezes, a gente se engana bonito.

Acredita que tudo é mais urgente do que a gente mesma.

A louça, o trabalho, o prazo, os filhos, a roupa pra guardar, o almoço, a agenda.

Tudo ganha espaço — menos você.

E aí, quando se dá conta, passaram-se dias… semanas.

E você está ali, se arrastando entre compromissos, tentando se encaixar nos vãos dos outros.

Foi assim comigo.

Já são quase duas semanas sem me exercitar. Sem aquele momento só meu.

Sem a pausa que me conecta ao corpo, ao fôlego, à força que eu sei que mora em mim.


Treinar, pra mim, não é só sobre movimento.

É onde me escuto.

Onde penso com clareza, mesmo suando.

Onde percebo que, mesmo cansada, ainda posso ir além.

É onde me lembro quem eu sou fora de todas as funções que desempenho.


E nesses dias em que faltei a mim, percebi: quando a gente se deixa por último, o mundo parece mais pesado.

Porque ele é mesmo.

Carregar tudo sem se carregar é insustentável.


Então, se você também tem se deixado pra depois, respira. Não é egoísmo se priorizar.

Não é luxo tirar um tempo pra você. É necessidade.

Voltar pra si é o primeiro passo pra continuar.Seu corpo sente falta de você. Sua mente também.

Mesmo que hoje você só consiga cinco minutos… comece.

Você não precisa estar no seu melhor pra recomeçar. Mas precisa recomeçar pra reencontrar o seu melhor.


domingo, 18 de maio de 2025

Crônica de uma semana (com dente, milho e princesa)


Essa semana foi intensa. Daquelas que a gente nem sabe por onde começar a contar. Talvez por isso eu tenha escrito pouco — não por falta de vontade, mas porque estava simplesmente vivendo tudo ao mesmo tempo: maternidade, estudo, tarefas, improvisos e momentos dignos de roteiro de comédia (ou de sobrevivência).

Teve dente. Dois, pra ser exata.

Meu filho arrancou um pela manhã ao tentar abrir um canudinho de suquinho com os dentes — e olha que o dente já estava ali, só esperando uma desculpa pra cair.  À noite, o segundo se despediu durante o jantar, enquanto ele mordia um pedaço de milho. Porque, claro, se é pra cair, que seja com estilo.


Teve prova também. Uma daquelas que a gente se prepara, estuda, tenta organizar a cabeça no meio do caos, e mesmo assim sai com a sensação de que faltou algo. Me dediquei. Me esforcei. Mas não sei se fui bem.


Entre uma coisa e outra, teve também o desfile diário da minha filha de 3 anos — que agora recusa-se a vestir a farda da escola.

Todos os dias, ela precisa escolher a própria roupa.

Todos os dias, ela é uma princesa.

E, portanto, vestido é item obrigatório.

Negociar com uma criança de três anos que acredita que vai ao castelo e não à escola é um talento que ainda estou desenvolvendo.


E aí, você respira fundo, olha em volta e percebe:

Sim, tá tudo uma bagunça.

Sim, não dei conta de tudo.

Mas estou aqui.


Foi uma semana de entrega, tropeços, risadas e pequenas vitórias escondidas em meio à correria.


E mesmo sem ter tido tempo pra escrever tudo que senti, vivi cada coisa com o coração inteiro.


Porque tem semanas assim: a gente não produz texto, mas escreve capítulos com a vida real.

Cheios de dente, milho, princesas… e força.


E que bom que a gente continua. Mesmo cansada. Mesmo sem glamour. Mas firme.

Porque o mais bonito dessa história toda é isso: a gente não para. A gente segue.


domingo, 4 de maio de 2025

E o tempo livre da Mãe, alguém viu por aí?



Sabe aquele tempo livre? Aquele que os homens — pais, no caso — têm, às vezes, para jogar um videogame, ver uns vídeos no YouTube, tomar um café quente em silêncio, respirar fundo sem ninguém pendurado no pescoço? Pois é. A mãe não sabe o que é isso. E se soube, foi antes da maternidade.


A mãe acorda cedo. Mas cedo mesmo, do tipo que o despertador nem precisaria tocar — porque tem uma criança que já está ali puxando seu rosto, pedindo pão com manteiga e desenho. E o dia começa. Mas não só com um “bom dia”, e sim com uma lista mental de tudo que precisa ser feito: café, roupa, mochila, remédio, tarefa, cabelo, brinquedo, almoço.


E sim, é tudo por ela. Porque a mãe, essa criatura multifuncional, virou também a agenda da casa, o alarme, o Waze, o Siri, a lavadora, a nutricionista e o colo.


Depois do almoço, que ela mesma preparou, tem a louça. Claro que tem. E as crianças ali, ao redor, esperando a próxima movimentação, como se ela fosse o principal canal de entretenimento doméstico. E é.


— “Vamos brincar, mamãe?”

— “Já vai dormir?”

— “Cadê minha meia azul?”


E a mãe pensa: vou só colocar um esmalte, dar um jeitinho na unha, porque segunda-feira tá aí. Mas bastou abrir o vidrinho que a menina acorda. Com fome. De colo. De mãe. De atenção.


E o tempo livre… evaporou. Como aquele café que ela esquentou três vezes e nunca conseguiu tomar.


Não é que a mãe não queira se cuidar, estudar, respirar. É que ela simplesmente não consegue. Porque ao contrário do que romantizam por aí, não existe pausa. Não existe rodízio de funções. Existe ela.


E o pai? Bom, ele tá lá na sala. Jogando videogame. Ou vendo vídeo no YouTube. “Relaxando um pouco”, como costuma dizer. E quando ajuda em algo, vira herói da casa. Já a mãe… bem, a mãe é a casa. Todos os dias.


É sobre isso que a gente fala quando diz que o mundo é injusto.

Não porque a mãe não ama. Ela ama tanto que esquece até dela.

Mas porque ser mãe deveria vir com cláusulas de respiro, rodízio de responsabilidades, e reconhecimento de que esse amor diário, exaustivo e invisível, é trabalho também.


Então não, essa crônica não é romântica.

É só real.

Como o esmalte que secou aberto, a meia que nunca aparece, e o banho interrompido por alguém batendo na porta dizendo:



— “Mamãe, tô com fome de novo.”


segunda-feira, 28 de abril de 2025

O dia em que eu pensei em desistir



Não sei se foi a primeira vez. Não sei se será a última. Mas hoje, sim, eu pensei em desistir.


Comecei o dia como quase todos os outros: já no modo multitarefa sem nem perceber. Logo cedo, os afazeres da casa me chamaram, como quem acena de longe dizendo "não esqueça de mim". Lavei louça, organizei brinquedos, preparei o almoço. Cumpri o ritual de todos os dias com a cabeça já acelerada, porque depois... depois vinha ele: o estudo.


Sentei-me na cadeira desconfortável — improvisei uma almofada para tentar amenizar — e me cerquei de tudo que poderia ajudar: cadernos abertos, computador ligado, bloco de anotações ao alcance da mão.


A missão do dia parecia simples na teoria: concluir os exercícios de inglês que haviam ficado pendentes e iniciar o novo conteúdo de matemática: lógica.


Eram 10h da manhã quando me coloquei nessa batalha.


O relógio correu. Deu meio-dia, depois 15h, depois 17h... e eu ainda não tinha terminado. A lógica, que deveria fazer sentido, parecia brincar de esconde-esconde comigo, debochando das minhas tentativas de encontrar o fio da meada.


Foi quando a casa encheu de vozes. Risadas, pedidos, chorinhos, mil histórias para contar. Meus filhos chegaram da escola.


Agitados. Precisando de mim. Com fome de atenção, de colo, de escuta. E eu ali, ainda atolada entre blocos de anotações, fórmulas, conectivos lógicos e exercícios inacabados.


A cabeça latejava.

O cansaço dava nó na garganta.

O barulho parecia amplificado, como se o mundo inteiro tivesse apertado o botão do "volume máximo".

E a lógica? Ah, essa já tinha saído pela janela faz tempo.


Foi aí que veio o pensamento:

"Eu não vou conseguir. Não dá. Não sou capaz. Talvez isso não seja pra mim."


Pensei em desistir. De verdade.

Foi um momento de desespero. Um minuto em que a pressão, o medo e a exaustão pareciam muito maiores do que qualquer sonho.


Mas respirei. Respirei fundo, como quem volta do fundo de um mergulho forçado.

Olhei para eles, meus pequenos, minhas razões. Olhei para mim, exausta, sim, mas ainda de pé.


E então me lembrei:

Eu não estou aqui porque é fácil.

Eu estou aqui porque é importante.

Porque eu escolhi abrir caminho em uma nova área, mesmo aos 31 anos, mesmo com tudo acontecendo ao redor.

Porque estudar tecnologia da informação, sendo mãe, dona de casa, esposa e profissional, não é um capricho.

É resistência. É futuro.


Hoje eu pensei em desistir. Mas sabe o que é bonito?

É que eu não desisti.

Nem da lógica, nem dos sonhos, nem de mim.


Amanhã pode ser difícil de novo. Talvez depois de amanhã também.

Mas já aprendi que a coragem não é silenciosa, polida, nem perfeita.

Às vezes, coragem é isso: continuar mesmo com a cabeça latejando, o barulho ecoando e a dúvida gritando lá dentro.


É assim que a gente segue.

Torta, descabelada, atrasada — mas de pé.

Sempre de pé.

Porque no fim das contas, não é sobre entender toda a lógica.

É sobre entender a si mesma: saber que você é feita de força, de amor, e de recomeços silenciosos.

Que os dias difíceis não anulam a sua coragem — eles provam que ela existe.

E que, mesmo tropeçando entre tarefas, sonhos e responsabilidades, você continua:

uma mãe, uma estudante, uma mulher que segue.

Sempre em frente. Sempre de pé. Sempre acreditando.


terça-feira, 15 de abril de 2025

O Vovô da Turma (e o último dia)

Ele chegou de mansinho no primeiro dia. Olhar curioso, passo firme e uma serenidade no rosto que destoava do nervosismo dos outros alunos — boa parte ainda no ensino médio. Mas ele estava lá, com seus mais de 65 anos e uma coragem silenciosa que ninguém ousava questionar.


Rapidamente, ganhou um apelido carinhoso na minha cabeça: o vovô da turma.


Era impossível não notar sua presença. Ficava sempre com o capacete de ciclista na cabeça — sem cerimônia, como quem sabe que praticidade vale mais que estética — e fazia questão de sentar-se nas primeiras fileiras. Sempre atento, sempre participativo. Cativou a todos com sua gentileza, sua disposição e aquela vontade bonita de aprender.


Outro dia, entre uma conversa e outra, ele contou um pouco da sua rotina. Com um certo encabulamento, como quem pede desculpas por ser ele mesmo, disse que vinha sempre com a mesma roupa: camiseta de proteção solar, bermuda, tênis e, claro, o inseparável capacete.

— “Saio da aula e vou direto pro trabalho…”, contou.


Trabalhava na construção civil. Isso mesmo. No meio da correria da semana, com as aulas presenciais às terças, ele dava um jeito. Deixava a vida dura lá fora por algumas horas e mergulhava no desafio de aprender algo completamente novo.


Hoje, ele chegou diferente. Sentou devagar, como quem precisava dizer algo. Esperou a turma se organizar, olhou ao redor e, com a voz firme e serena, nos disse:


— “Hoje é meu último dia aqui. A vida tá passando a 180 por hora, e eu não tô dando conta. Tenho me sentido meio fora de ritmo, como se estivesse atrapalhando o andamento da turma…”


A sala ficou em silêncio. Não aquele silêncio de surpresa, mas o de respeito.


Ele continuou:

— “Mas quero dizer a vocês: é possível. Mesmo com 65 anos. Mesmo com todos os desafios. Eu estive aqui. E isso, pra mim, já valeu muito.”


E ali, naquele momento, aprendi mais do que em qualquer slide.


Porque não era só sobre tecnologia, não era sobre velocidade ou performance. Era sobre coragem. Sobre reconhecer os próprios limites sem deixar de se orgulhar do caminho. Sobre tentar. Estar ali, entre jovens, cadernos, códigos e sonhos, foi um ato de bravura silenciosa.


Ele poderia ter saído sem dizer nada. Mas fez questão de se despedir, de encorajar, de nos lembrar que o simples fato de estar ali já era uma vitória.


Eu saí da sala pensando nele. Pensando na beleza de quem recomeça, mesmo quando o mundo parece já ter corrido demais. Pensando que há dignidade em parar, mas mais ainda em tentar.


O vovô da turma pode ter deixado o curso, mas deixou uma lição que nenhum professor ensinou: a vida não tem idade para aprender. E mesmo quando a gente decide parar, o importante é ter tido coragem de começar.


De capacete, de bermuda, nas primeiras fileiras e de coração aberto — ele ensinou a todos nós.

domingo, 6 de abril de 2025

Dois anos de diferença e uma festa só

Chegamos naquela fase curiosa — e engraçadíssima — em que todo mundo, sem exceção, olha para meus filhos e pergunta com a maior naturalidade do mundo:


— “São gêmeos?”


E eu, já com uma resposta ensaiada e um sorriso no canto do rosto, explico que não: Nael tem 5, Naeli tem 3. Dois anos exatos de diferença. E então vem o olhar de surpresa, seguido de um “Nossa, parecem tanto!”

E olha… até parecem mesmo.

Não só no tamanho — que já começa a se equilibrar — mas nas birras sincronizadas, nas vontades que surgem ao mesmo tempo, nas manias herdadas um do outro, nas conversas onde só eles se entendem e se apoiam, como se fossem aliados num plano secreto chamado “vamos deixar a mamãe maluca de amor e de cansaço”.

E por mais que eu saiba que não são gêmeos, às vezes me pego olhando para os dois e pensando que o universo fez uma dobradinha muito bem feita. São tão diferentes, mas têm um jeito de se completar que emociona. Quando um chora, o outro consola (ou chora junto). Quando um ri, o outro ri ainda mais alto. Quando um quer o brinquedo do outro… bem, aí é guerra — mas uma guerra cheia de amor por baixo da gritaria.

Esse ano, mais uma vez, decidimos fazer o aniversário dos dois juntos. Uma festa dupla, colorida, barulhenta e linda. Só que com dois temas diferentes: de um lado, unicórnios, cheios de brilho e magia; do outro, Hot Wheels, com rampas radicais e carrinhos por toda parte. Foi como se o arco-íris tivesse batido de frente com uma pista de corrida — e funcionou perfeitamente.

Nael completou 5. Está cheio de perguntas complexas, argumentos convincentes e uma alma de inventor. Naeli fez 3. Doce, determinada, cheia de afeto e de decisões firmes para uma pessoa tão pequena.

Na festa, ele ajudou a irmã a apagar as velas dela. Foi um sopro coletivo de carinho. E ela sorriu, orgulhosa do irmão mais velho e cúmplice.

E eu ali, no meio de tudo, com os olhos cheios d’água e o coração explodindo de amor por esses dois seres tão incríveis e intensos.

Talvez eles não sejam gêmeos de nascença, mas são gêmeos de alma. Parceiros de vida, irmãos de travessura, cúmplices de infância. E eu? Eu sigo aqui, vivendo o privilégio — e a loucura — de ser mãe em dobro, em uma casa onde o amor vem sempre aos pares.

Mesmo com dois anos de diferença. Mesmo com temas separados. Porque, na prática, eles são juntos. Sempre.



quarta-feira, 19 de março de 2025

A volta à sala de aula (E o vovô da turma)

Voltar a estudar depois dos 30 não é só sobre abrir um caderno novo. É sobre abrir espaço dentro de si mesma.

Você já tem uma caminhada — diploma na mão, especializações no currículo, uma profissão construída com esforço e propósito. Já viveu o mundo do trabalho, já ocupou seu lugar, já ajudou muita gente a encontrar o próprio caminho.


E ainda assim, aqui está você. Começando de novo.


Não porque faltava algo, mas porque faltava esse algo. A inquietação boa, o desejo de aprender uma nova linguagem, de atravessar fronteiras que antes pareciam distantes — e agora são desafio e combustível.


No primeiro dia de aula, você chega com sua mochila e sua coragem. Olha ao redor: rostos jovens, bem jovens. Alguns ainda no ensino médio, outros recém-saídos dele. Conversas rápidas, sorrisos tímidos ou agitados, nervosismo disfarçado de distração.


E então, lá no fundo, um senhor. Cabelos brancos, passos tranquilos. Um olhar que já viu muito, mas ainda quer ver mais.


O vovô da turma, você pensa, e sorri por dentro.


E nessa sala, cheia de idades e mundos diferentes, você percebe: não existe idade certa para aprender. Existe vontade. Existe coragem. Existe a humildade de se sentar em uma carteira e dizer: "Sim, eu tenho bagagem. Mas ainda quero mais."


Começar uma nova área — como a tecnologia — é um pouco como mudar de planeta. Tudo é estranho no começo: termos novos, conceitos que desafiam, sistemas que parecem falar outra língua. Mas você sabe, com a maturidade de quem já percorreu outras estradas, que a travessia vale a pena.


Porque agora o aprendizado vem com outra motivação. Não há mais a ansiedade de agradar, a cobrança de provar algo pra alguém. Você estuda por escolha, por desejo, por visão de futuro.


E isso, ah, isso faz toda a diferença.


Entre anotações, risos contidos e lembretes no celular, você descobre que aprender nunca foi tão bonito. Porque agora você escuta mais, observa mais, entende o valor do tempo e da troca. Você aprende com quem ainda está descobrindo o mundo… e com quem já viveu o bastante pra te ensinar com silêncio e presença.

E que honra é essa, né? Aprender com quem ainda tem todo o tempo do mundo, e com quem já viveu o bastante pra saber que nunca é tarde pra tentar.


Essa sala de aula — com seus adolescentes, seus profissionais em transição, seu vovô curioso — é uma mistura linda de possibilidades. E você está exatamente onde deveria estar.


Porque recomeçar com consciência e coragem é um dos atos mais poderosos que alguém pode fazer por si.

E você está fazendo isso.


Com tudo o que já foi… e tudo o que ainda quer ser.